Organizadores
Gisele Fonseca Chagas (UFF) : giselechagas@id.uff.br
Leonardo Schiocchet (Charles University, Prague): schiocchet@gmail.com
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto (UFF): philu99@gmail.com
Este dossiê será publicado em inglês. Contudo, o envio das versões para avaliação pode ser feito em português ou inglês em:
https://submission.scielo.br/index.php/vb/submissions
A guerra desencadeada pelos ataques do Hamas contra Israel em outubro de 2023 já se prolonga há mais de um ano. A dimensão do ataque contra Gaza, o número sem precedentes de mortos na população local, que já soma mais de 45.000, a alta proporção de mulheres e crianças entre as fatalidades, a obstrução sistemática do acesso dos palestinos à ajuda humanitária e a serviços de saúde, e a destruição deliberada da infraestrutura civil, como escolas, hospitais e abrigos, permitem caracterizar as ações militares israelenses como genocídio contra a população palestina em Gaza. Paralelo a isso, a violência contra os palestinos na Cisjordânia, tanto por parte do exército quanto dos colonos judeus, atingiu níveis sem precedentes.
Essa situação de catástrofe humanitária no contexto de uma longa história de ocupação colonial dos territórios palestinos por parte de Israel, recolocou a Questão Palestina no centro do debate político internacional. A fundação do Estado de Israel em 1948 resultou em uma guerra por meio da qual 70% da população palestina foi expulsa de suas casas ou impedida de retornar para elas, significando uma limpeza étnica denominada pelos palestinos como Nakba (Catástrofe). Cisjordânia e Gaza estão sob controle militar israelense desde 1967, sendo alvos de um projeto de colonização judaica cujo objetivo é anexar mais territórios a Israel. Embora os assentamentos israelenses tenham sido removidos de Gaza em 2005, o território permanece sob controle absoluto de Israel e sofre um severo bloqueio econômico, bem como inúmeros ataques militares desde 2007, sendo considerado pela ONU como território ocupado por Israel. Os refugiados palestinos dispersos por vários países desde a Nakba seguem sem nenhuma solução política para seu exílio, o qual dura há mais de sete décadas.
Deste modo, consideramos fundamental reunir reflexões antropológicas que permitam compreender as várias dimensões da experiência histórica e cultural dos palestinos nos vários contextos sociais da Palestina histórica e do exílio palestino no mundo. Ao esboçar uma história da etnografia sobre a Palestina e palestinos, Khaled Furani e Dan Rabinowitz (2011) acolheram a Palestina como um local para a produção teórica, ao invés de alteridade. De acordo com os autores, entre o final do século XIX e o final do século XX, a Palestina como um local para pesquisa dependia sobretudo de análises feitas por antropólogos não-palestinos. A publicação do livro Orientalismo (1978), de Edward Said, ajudou a precipitar, então, uma mudança radical no modo de abordagem sobre a Palestina. Palestina e palestinos ressurgem como sujeitos, especialmente por meio de temas de pesquisa como “memória”, “refugiados”, “resistência”, “identidade nacional”, “situação colonial” e “gênero”, mas também por meio de “lei”, “prisão”, “burocracia” e uma série de novos tópicos (Furani & Rabinowitz 2011).
Já a etnografia nativa palestina começa a florescer no final da década de 1970 devido a uma dupla mudança política e epistemológica como resposta, respectivamente, à Guerra Árabe-Israelense de 1967 e à “crise” epistemológica inaugurada por Said. Para Furani e Rabinowitz (2011), a antropologia pós-colonial, pós-estrutural e pós-moderna oferecem o que eles chamam de “vocabulário habilitador” para o estudo de populações palestinas, sendo “memória” a mais proeminente dessas noções (Furani e Rabinowitz, 2011). Os autores observam que após os processos de paz de Oslo e Madri na década de 1990, a pesquisa etnográfica sobre palestinos, que hoje é amplamente percebida em associação com o ativismo palestino, viu um aumento acentuado.
Entretanto, até recentemente, a antropologia palestina era praticada principalmente em vários locais dispersos no Norte Global, concentrada em alguns grupos institucionais. Ou seja, era constituída principalmente no exílio e, às vezes, por acadêmicos palestinos dentro de instituições israelenses (Atshan 2021). Tal quadro começa a mudar após a criação da Insaniyyat (Sociedade de Antropólogos Palestinos) em 2015, que consiste numa rede de antropólogos palestinos nascida da iniciativa de alguns antropólogos palestinos que vivem na Palestina e em Israel (Schiocchet, 2018).
Neste sentido, de acordo com Schiocchet (2018), a etnografia Palestina hoje está principalmente preocupada com a forma como os palestinos estão presos em um vínculo entre repressão e resistência, exemplificado pelo que Furani (2011) chama de “narrativas sobre a luta nacional”. O autor aponta que a atual situação política da Palestina e dos palestinos levou a uma relativa falta de estudos de tópicos que não se relacionam diretamente com o “testemunho” do sofrimento palestino. Isso, por sua vez, acarretou em uma relativa falta de análises comparativas de médio alcance (por exemplo, regional) mais ousadas, com a exceção de estudos de colonização de ocupação, ainda que tais estudos tenham por vezes privilegiado comparações entre a Palestina e o Norte Global (via por exemplos “First Nations” e o movimento “Black Solidarity”). Além disso, como palestinos são fortemente marcados pelo atual projeto de colonialismo de assentamento de Israel, suas motivações etnográficas são fortemente constrangidas ao território palestino ou a palestinos em exílio. Assim sendo, no registro da antropologia pós-estruturalista (e pós-colonial) sobre a Palestina e palestinos, Schiocchet sugere que é fundamental voltar-se a um quadro comparativo histórico e sincrônico epistemológico de trocas Sul-Sul, envolvendo, por exemplo, Palestina e Brasil.
Desde os anos 2000, antropólogos brasileiros têm produzido conhecimento sobre palestinos e a Palestina. Devido ao seu foco na diáspora palestina no Brasil (com algumas notáveis exceções), em termos de tópicos, esta literatura tende a destacar processos de migração e/ou migração forçada, e processos de identidade e/ou pertencimento social. Grande parte dessa produção não é primariamente sobre ativismo em si, embora a mobilização política continue sendo um elemento quase indelével da vida palestina no exílio. Uma contribuição importante da literatura antropológica brasileira sobre a Palestina e os palestinos é desenredar essa aparente contradição desde um ângulo único.
Para este dossiê, convidamos contribuições de artigos baseados em pesquisas etnográficas em contextos palestinos, na diáspora e/ou no exílio, a colaborarem com o dossiê. O intuito é contribuir com o debate no campo global da antropologia sobre a Palestina e palestinos, através da reunião de pesquisas de antropólogas/os brasileiras/os e estrangeiras/os.
• Divulgação da chamada e Submissão dos artigos: 27 de janeiro/2025 – 31 de agosto/2025
• Atribuição e Finalização dos pareceres: setembro – dezembro/2025
• Ajustes e entrega das versões finais dos artigos: janeiro – março/2026
• Entrega dos textos: abril/2026
• Editoração: maio a setembro/2026
• Publicação do dossiê: outubro/2026
Call for papers – Palestinian identity in times of genocide in Gaza
Organizers
Gisele Fonseca Chagas (UFF) : giselechagas@id.uff.br
Leonardo Schiocchet (Charles University, Prague): schiocchet@carmenrial
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto (UFF): philu99@gmail.com
This special number will be published in English.
Submissions (either in Portuguese or English) must be made at: https://submission.scielo.br/index.php/vb/submissions
The war unleashed by Hamas attacks against Israel in October 2023 has been going on for over a year. The magnitude of the attack on Gaza, the staggering number of deaths among the local population (already surpassing 45,000), the significant proportion of women and children among the fatalities, the systematic obstruction of Palestinians’ access to humanitarian aid and health services, and the deliberate destruction of civilian infrastructure (such as schools, hospitals, and shelters), collectively substantiate the characterization of Israeli military actions as genocide against the Palestinian population in Gaza. Concurrently, violence against Palestinians in the West Bank, perpetrated by the army and Jewish settlers, has escalated to unparalleled levels.
This humanitarian crisis, within the broader context of Israel’s protracted colonial occupation of the Palestinian territories, has thrust the Palestinian Question back into the forefront of the global political agenda. The establishment of the State of Israel in 1948 led to a war in which 70 percent of the Palestinian population was forcibly displaced from their homes or prevented from returning to them, resulting in an ethnic cleansing that Palestinians refer to as the Nakba (Catastrophe). The West Bank and Gaza are currently under Israeli military control since 1967 and are the targets of a Jewish colonization project aimed at annexing more territory to Israel. Although Israeli settlements were removed from Gaza in 2005, the territory remains under absolute Israeli control and has suffered a severe economic blockade as well as numerous military attacks since 2007 and is considered by the UN to be Israeli-occupied territory. The Palestinian refugees who fled to various countries since the Nakba still have no political solution to their exile, which has lasted more than seven decades.
We therefore consider it essential to gather anthropological reflections that allow us to understand the various dimensions of the historical and cultural experience of Palestinians in the various social contexts of historic Palestine and Palestinian exile in the world. In outlining a history of ethnography on Palestine and Palestinians, Khaled Furani and Dan Rabinowitz (2011) welcomed Palestine as a site for theoretical production, rather than an alterity. According to the authors, between the end of the 19th century and the end of the 20th century, Palestine as a site for research depended mainly on analysis by non-Palestinian anthropologists. The publication of Edward Said’s book Orientalism (1978) helped precipitate a radical change in the approach to Palestine. Palestine and Palestinians re-emerged as subjects, especially through research themes such as “memory”, “refugees”, “resistance”, “national identity”, “colonial situation” and “gender”, but also through “law”, “prison”, “bureaucracy” and a series of new topics (Furani & Rabinowitz 2011).
Native Palestinian ethnography began to flourish in the late 1970s due to a double political and epistemological shift in response to, respectively, the 1967 Arab-Israeli War and the epistemological “crisis” inaugurated by Said. For Furani and Rabinowitz (2011), postcolonial, poststructural and postmodern anthropology offer what they call an “enabling vocabulary” for the study of Palestinian populations, with “memory” being the most prominent of these notions (Furani and Rabinowitz, 2011). The authors note that after the Oslo and Madrid peace processes in the 1990s, ethnographic research on Palestinians, which is now widely perceived in association with Palestinian activism, saw a sharp increase.
However, until recently, Palestinian anthropology was practiced mainly in various dispersed locations in the Global North, concentrated in a few institutional groups. In other words, Palestinian anthropology was mainly constituted in exile and sometimes by Palestinian academics within Israeli institutions (Atshan 2021). This picture began to change after the creation of Insaniyyat (Society of Palestinian Anthropologists) in 2015, which consists of a network of Palestinian anthropologists born out of the initiative of some Palestinian anthropologists living in Palestine and Israel (Schiocchet, 2018).
In this sense, according to Schiocchet (2018), Palestinian ethnography today is mainly concerned with how Palestinians are trapped in a link between repression and resistance, exemplified by what Furani (2011) calls “narratives about the national struggle”. The author points out that the current political situation of Palestine and Palestinians has led to a relative lack of studies on topics that do not directly relate to the “witnessing” of Palestinian suffering. This, in turn, has led to a relative lack of bolder, middle-range (e.g. regional) comparative analyses, with the exception of studies of settler colonization, although such studies have often privileged comparisons between Palestine and the Global North (via, for example, First Nations and the Black Solidarity movement). Furthermore, as Palestinians are strongly marked by Israel’s current project of settlement colonialism, their ethnographic motivations are strongly constrained to the Palestinian territory or to Palestinians in exile. Therefore, in the register of post-structuralist (and post-colonial) anthropology on Palestine and Palestinians, Schiocchet suggests that it is fundamental to turn above all to a historical and synchronic comparative effort in South-South exchanges, involving, for example, Palestine and Brazil.
Since the 2000s, Brazilian anthropologists have been producing knowledge about Palestinians and Palestine. Due to its focus on the Palestinian diaspora in Brazil (with a few notable exceptions), in terms of topics, this literature tends to highlight processes of migration and/or forced migration, and processes of identity and/or social belonging. Similarly, it also tends to highlight political mobilization (i.e. the Palestinian cause). Much of this production is not primarily about activism per se, even though political mobilization remains an almost indelible element of Palestinian life in exile. One important contribution of the Brazilian anthropological literature on Palestine and Palestinians is teasing out this apparent contradiction from a unique angle.
For this dossier, we invite contributions of articles based on ethnographic research in Palestinian contexts, in the diaspora and/or in exile. The aim is to contribute to the debate in the global field of anthropology on Palestine and Palestinians by bringing together research by Brazilian and foreign anthropologists.
Important dates:
• Announcement of the call and submission of articles: January 27, 2025 – August 31, 2025
• Assignment and finalization of reviews: September – December/2025
• Adjustments and delivery of final versions of articles: January – March/2026
• Delivery of texts: April/2026
• Editing: May to September/2026
• Publication: October/2026
References
Atshan, Sa’ed. 2021. The Anthropological Rise of Palestine. Journal of Palestine Studies. https://doi.org/10.1080/0377919X.2021.1969806.Furani, Khaled. 2011. The Ethnographic arriving in Palestine, Georgetown CCAS. http://vimeo.com/30555956. Accessed in 04/18/2014.
______, and Dan Rabinowitz. 2011. The Ethnographic Arriving of Palestine. Annual Review of Anthropology 40 (1): 475–91.
Said, Edward. 1978. Orientalism: Western Conceptions of the Orient. New York: Pantheon Books.
Schiocchet, Leonardo. 2018. Critique, Comparison, Suffering and the Middle East. Prace Etnograficzne, tom 46, z. 2, s.1 – 25